Carta #01

Outros Mundos

 

 

Anônimo
Goiânia, S/ data.

A enorme quantidade de caixas empilhadas e espalhadas pela casa não me deixava ver nada com clareza. Das mais de dez mudanças de casas e apartamentos que eu fizera, aquela era a que mais inseguro me deixava. Muitas incertezas. Afinal de contas, não era uma mudança qualquer; mais uma vez, implicava uma mudança de continente. Uma vez que as caixas foram enviadas, papéis e outros entulhos de memórias restaram espalhados acompanhando-me durante os últimos dias.

As despedidas entre os amigos foram complicadas. Os abraços se humedeceram com as lágrimas que evidenciaram duas coisas: a tristeza da separação e a felicidade dos momentos vividos. Era um ‘até logo’ diferente. Um até logo incerto, como a minha volta àquela cidade que me vira nascer. 

Eu adorava aquele quarto. Era pequeno, eu sei, mas ali tinha vivido quase quinze anos. A última noite foi espantosa e estranhei o quarto vazio. Vazio, ou meio vazio. Dormi mal. Acordei às 3h da madrugada, tomei banho e preparei meu último café naquela casa que agora parecia imensa e desconhecida. É curioso, quando uma casa se esvazia dos objetos e memórias que a habitam, ela fica irreconhecível. Será que acontece com todas? Na minha cabeça, a mesma dúvida: será que tinha tomado a decisão correta?

Estava na hora de ir, um grande amigo me esperava para me levar ao aeroporto.

Ao sair do quarto, no chão, me deparei com um poema (meu poema) do heterônimo Alberto Caeiro escrito por mim num papel qualquer e que, como leimotiv, sempre esteve colado na parede do quarto: 

Houve uma pausa, o tempo parou.

Coloquei o poema na mochila, apaguei as luzes, fechei a porta e parti rumo ao (des)conhecido. Ou a outras matérias e outros mundos.