Carta #07

A vida em casa

 

 

 

Lucimar Bello

29 de março de 2020.

Susto, raiva, medo, suspensão, a vida-em-casa. De repente. Em casa-sem-sair. Choro de coração entalado. O cotidiano adiado por um vírus invisível. Letal. Os idosos, o grupo de maior risco. O afastamento dos filhos, dos netos, de qualquer criança. As crianças nos ensinam a manter as infâncias. Estou preocupada demais com as crianças, confinadas. Estou preocupada demais com os que não podem ficar confinados. Estou raivosa com os que não prezam a vida-coletiva. As mortes no mundo solapado batem forte na miserabilidade na qual vivemos. Miseráveis que somos para com a biosfera. Essa miséria bate forte no rosto, nos olhos, no nariz, na boca, nas mãos, nas entranhas. Não toque, lave, lave, lave. O mundo da assepsia ataca. O vírus mata. Para sustentar o quase insuportável faço bolhas de sabão, todo dia, das minhas janelas. O brinquedo de criança me anima. A leveza das bolhas ensina essa e atiça Uma Vida Nova. A bolha estoura aonde precisar sabão. Fragmentos de viver-juntos à distância, para nós que podemos, faz brotar mínimos encantamentos e fiapos de encontros. Um Longe Perto de gratidão por Estar-Viva.

Lucimar Bello