Corresp #04
Sobre rugosidades e desenhos
Glayson Arcanjo
Goiânia, entre 28 de junho e 23 de julho
Caro Paulo,
Estive pensando na lacuna temporal que se passou desde nossa última correspondência, neste justo período demarcado entre o envio, recebimento, leitura e resposta à sua carta. Achei fabuloso que, em pleno século XXI, e diante das facilidades que estes tempos nos oferecem em relação à comunicação entre pessoas, tenhamos recorrido a esta forma de diálogo que tem como implicação a própria expectativa – pela chegada da próxima carta e pelo demorar-se em algo -, estado que me tem sido, nos dias atuais, bastante salutar para exercitar o pensamento, a leitura, a escrita e o desenho.
Fico muito contente em perceber um tempo mais dilatado criado entre nossas correspondências. A meu ver, ele abre espaço, entre outras coisas, para que compreendamos a necessidade desse “demorar-se/demorarmo-nos”, no sentido de dedicarmos tempo a isso sem a pressa ou urgência que tanto nos são exigidas de todos os lados. Digo isso para situar que a possibilidade da fala e da escuta efetivamente provocadas com a trocas de nossas correspondências, tem se comportado para mim como momentos para exercitar e reconhecer meus pensamentos em ação; momentos onde me pego acompanhando o surgimento das ideias; a presença de dúvidas; o aflorar de sensibilidades e afetos, entre outras sensações e sentimentos. Penso que na nossa troca de cartas vamos construindo vias muito potentes de “ocupar, estar, existir e pensar” no presente e com o presente.
Nestes dias de distanciamento social, tenho me atentado à força com que os acontecimentos do dia a dia estão se mostrando a nós que, antes da pandemia, estávamos preocupados somente com os grandes feitos. Preocupados demais com as grandes manifestações, compromissos, acontecimentos etc. esquecíamos, ou mesmo deixamos de perceber, as “pequenas” e “invisíveis” manifestações do cotidiano, presentes a todo momento no correr dos dias.
Ao ler sua última carta, me chamou atenção um fato cotidiano, aparentemente banal, que você relata ter vivido, mas que alimentou minha imaginação fazendo-me recriar a imagem: você em frente a uma bonita árvore e as horas que passa a observá-la. Muito me alegra saber que, mesmo neste turbilhão de emoções causado pela expansão do vírus e pelo prolongamento do distanciamento social, você tenha se dedicado a observar o tempo, o cotidiano, os dias etc., e a divagar sobre rugosidades e desenhos.
Diante disso, sinto que, por hora, não conseguirei elaborar um diálogo efetivo com as outras passagens de sua carta, e nem tecer proximidades com a riqueza dos belos referenciais, descrições e divagações que você traz, ao menos, do modo como acredito que mereçam ser abordados. Imagino que o melhor que tenho a fazer por agora é suspender as tentativas de outras respostas, para também eu dedicar-me a demorar-me mais um pouco a observar, por minutos, horas e dias a passagem do tempo, a paisagem do quintal no lado de fora da casa e quem sabe eleger uma bela árvore, de copa bonita e com flores, para assim, eu também redesenhar as rugosidades dos troncos; dos fragmentos das cascas em pedaços; das composições com folhas e flores caídas no chão, com suas diferenças cromáticas, tamanhos e formatos.
Paulo, espero que compreenda este estado de demora e suspensão em que deixo esta carta, e, caso eu tenha sorte, gostaria de fazer e te enviar um desenho rugoso, criado em uma dessas tardes de boas demoras do mês de julho.
Um abraço,
Glayson